30 de agosto a 20 de setembro de 2025
Fluxo Contínuo
Julee
Exposição do Programa Jovens Artistas na Árvore
Sala 2
Há forças que atravessam a casa sem fazer ruído. Permanecem nos objetos, na forma como os corpos se movem, nas histórias que passam entre gerações. Fluxo Contínuo nasce desse lugar — onde o íntimo, o simbólico e o espiritual se confluem na matéria.
Na sua primeira exposição individual, Julee apresenta uma série de obras desenvolvidas a partir de vivências pessoais e de experiências transmitidas entre as mulheres da sua família. Galhos, raízes, tecidos, objetos, compõem formas que oscilam entre rigidez e movimento, entre o que parece familiar e o que se revela com estranheza.
Uma das obras centrais da exposição, Senhora das Águas, parte da memória da avó da artista, que corava as roupas ao sol. A peça mantém uma relação direta com o espaço doméstico, mas afasta-se da função. O que se vê é uma cascata contida, onde o cuidado se mistura à dureza, e a presença das divindades ligadas à água se faz sentir não como imagem, mas como tensão.
A água, embora ausente como elemento físico, é, curiosamente, a estrutura que sustenta toda a exposição. Aparece como símbolo de trânsito entre camadas, de reorganização interior e de transformação. Em algumas obras, essa presença é mais evidente; noutras, mais silenciosa — como um fluxo subterrâneo que percorre tudo, mesmo que invisível.
As obras não seguem uma narrativa linear, mas condensam fragmentos de memória, matéria e tensão. A sua composição revela uma espiritualidade que se sustenta no atravessamento dos objetos, e no modo como esses materiais e formas se tornam entidades no espaço.
Fluxo Contínuo introduz uma prática artística que articula resistência, ancestralidade e uma beleza que está contida no banal. Ao mesmo tempo que aponta para o íntimo, o trabalho expande-se: desloca o doméstico, abre fendas no que parecia estável ou previsível e afirma a possibilidade de transformação — não como gesto simbólico, mas como presença concreta e constante.
Biografia
Julee (Juliana Lee Pinto, Curitiba, 1994) é artista visual nascida no Brasil e residente em Lisboa. Licenciada em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, com formações complementares em cerâmica, pintura e fotografia (Casa Museu Alfredo Andersen e Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual), participa regularmente em residências artísticas como parte crucial do desenvolvimento da sua prática e envolve-se ativamente em oficinas com comunidades desde 2021.
A sua prática nasce de uma investigação sobre processos de transfiguração da matéria, atravessando temas como permanência, desaparecimento e contenção. Através da escultura, da instalação e da experimentação fotográfica, entre outros meios, trabalha com materiais naturais, domésticos e encontrados — elementos que transportam memória, transformação e potência simbólica.
A sua pesquisa envolve uma atenção às camadas do invisível, às práticas que persistem à margem das estruturas normativas e às formas silenciosas de resistência. As composições criadas articulam processos ritualísticos e habitam espaços entre o íntimo e o colectivo, onde o tempo se manifesta de forma suspensa e os materiais evocam presenças que escapam à superfície. O que foi historicamente relegado ao segundo plano — aquilo que é banal, doméstico ou em decomposição — emerge como núcleo de presença, força e protagonismo.
A atenção ao território e o envolvimento direto com os materiais em cada contexto são centrais no seu processo.



