22 de março a 12 de abril de 2025
Sofia Vermelho
Exposição do Programa Artistas Cooperadores
Sala 3
Inauguração
16:00 – 22 de março 2025
XXIII
Rose, venue très tard, que les nuits amères arrêtent par leur trop sidérale clarté, rose, devine‑tu les faciles délices complètes de tes soeurs d´été? Pendant des jours et des jours je te vois qui hésites dans ta gaine serrée trop fort. Rose qui, en naissant, à rebours imites les lenteurs de la mort. Ton innombrable état te fait‑it connaître dans un mélange où tout se confond, cet ineffable accord du néant et de l´être que nous ignorons?
Rainer Maria Rilke, Les Roses
| XXIII
Rosa, tão tarde chegada, que as noites amargas prendem pela sua claridade sideral demais, rosa, será que adivinhas as delícias plenas e fáceis das tuas irmãs de verão? Vejo‑te hesitar dias e dias Na tua cinta apertada demais. Rosa que, ao nascer, imitas às avessas a lentidão da morte. Será que o teu estado múltiplo te faz conhecer numa mistura em que tudo se confunde, esta indizível simbiose entre o nada e o ser que nós ignoramos?
Tradução: Aida Araújo Duarte |
″Essência e existência, imaginário e real, visível e invisível, a pintura confunde todas as nossas categorias desdobrando o seu universo onírico de essências carnais, de semelhanças eficazes entre significações mudas.″
Maurice Merleau‑Ponty, O olho e o espírito
″A arte, enquanto o pôr‑em‑obra‑da‑verdade, é Poesia.″
Martin Heidegger, A Origem da Obra de Arte
Nesta exposição de Sofia Vermelho, de título homónimo a um verso de Angelus Silesius (Die Ros’ ist ohn’ Warum, büthet Weil sie blühet – “A Rosa é sem porquê, Floresce porque Floresce”.) é-nos dado a ver as mais arrojadas, porque atravessadas de verdade e beleza insolente, obras que a artista tem vindo a desenvolver no último ano, sobre a ontologia (corrente da filosofia que pensa a lógica do Ser), e os seus procedentes rasgos luminosos da consciência humana, aquando a sua travessia pelo bosque escuro, errático e inquietante, de existir no mundo.
De facto, segundo o pensamento heideggeriano, autor que mais pensou esta questão ontológica desde o tempo do grego clássico, o primeiro confronto do humano com a sua lógica de Ser, circunscreve-se com a inexorável realidade de Ser-aí de si mesmo, diante do mundo (Dasein). E diante desse confronto, é irrevogável a sua sujeição a um abandono do mesmo mundo, e do seu próprio sentido de pertença. Esta dimensão, não menos intimidante que o abismo conhecido pelos grandes românticos, como Goethe na literatura, ou Caspar David Friedrich na pintura, inscreveu na história da arte ocidental, profundos, senão mesmo, os primeiros luminosos ênfases da medida da emoção e do individualismo como experiência estética, e por isso, modo novo, da filosofia continental e dos movimentos artísticos do final do século XVIII de compreender o mundo, a partir de um ponto primeiro, interior.
Então, as Rosas de Sofia, que existem e florescem desse ponto recôndito, intrínseco, na sua génese de flor, enquanto corpos fixos pela raiz de início antigo e imperscrutável do mundo, são, simultaneamente, os verbos confrontar e florescer no seu Dasein – pois metaforizam, por um lado, as pulsões que evidenciam a dimensão da carne no corpo humano, tecido descontínuo das suas mais violentas e indomáveis forças do desejo; e por outro, a vontade de representar e soçobrar essa mesma carne ao êxtase, no seu crescer de rosa, acontecer contingente do tempo ao apresentar-se, e representar-se, em transcender absoluto, até à luminosidade que antecede tudo.
Assim sendo, a pintura de Sofia, que integra a destruição da forma do corpo feminino pela poesia do seu próprio êxtase, dispõe, através da orquestração do gesto libertino e da inteligência sensível das matérias, uma experiência rica e háptica das forças visíveis e invisíveis que transformam o corpo em carne, e sobretudo, revelam a sua fenda própria (citando a essência do ensaio “A crise do corpo” de Bernardo Pinto de Almeida). Fenda que, se por um lado deixa entrever o lugar visceral da emoção e do espírito, naturalmente invisível, por outro é portal do corpo para o exterior, para o conflito sensível, observável e cíclico com a potência de Ser. E, portanto, de modo mais descritivo ou mais velado, quer seja em óleo ou barro, juta ou gesso, ecoa, nesta obra surpreendente, o mito da força magnetizante do feminino, luz interior de Danäe e Calipso, assim como de todas as Afrodites e Vénus do mundo, que em ultimato partilham a delicadíssima e igualmente ofuscante luz, extensão indissociável do sangue capaz da Criação.
Natacha Martins
Março de 2025
Sofia Vermelho nasceu em Coimbra, 2001 e licenciou‒se em Pintura na Faculdade de Belas Artes do Porto. É artista e co‒fundadora da Vertigo, colectivo artístico de eventos híbridos entre arte e rave no qual desempenha funções de produção e curadoria.
A prática de Sofia Vermelho expressa‑se através da pintura como linguagem porta‒voz interessando‒se também pelo desenho, cerâmica e performance.
Permeada por uma sensorialidade carnal a sua obra procura refletir acerca do mistério existencial e da condição do corpo através dos conceitos de imanência e transcendência, reunindo assuntos como a sexualidade e espiritualidade na pintura como corpo e centro toroidal.
Abrindo‑se a uma dimensão poética a sua obra propõe um caminho ontológico e reinterpretativo da iconografia do feminino sugerindo um encarnar a existência enquanto afirmação da condição corpórea e espiritual.